Todos
concordamos que devemos servir a Deus e ao Seu Reino. Todos também
concordamos que, como Corpo, temos funções diversas e específicas.
Porém, nem todos estamos vinculados ao serviço eclesiástico
(trataremos aqui apenas deste serviço, não excluindo que o serviço
ultrapassa ministérios dentro da igreja). A má inserção no Corpo
de Cristo pode custar, muitas vezes, a vida de um cristão na igreja.
Por causa de vaidades e orgulho, muitos são discriminados e
colocados à margem por serem pré-julgados, antes mesmo de se
integrarem fortemente ao Corpo de Cristo.
Existem
muitos cristãos (consideraremos aqui cristãos verdadeiros,
autênticos e sinceros diante de Deus) que se encontram em plena
disponibilidade para servir, porém não encontram espaço na sua
comunidade local, ou mesmo são desmerecidos e marginalizados em suas
igrejas. Muitos desejam servir mais firmemente à Cristo, porém se
sentem inúteis para a igreja. O olhar orgulhoso daqueles que já
estão posicionados em seus ministérios, e que tomam iniciativas
quanto ao trabalho pode colocar aqueles cristãos (chamaremos a eles
de fracos a partir deste momento) em cheque sobre qualquer
possibilidade de se envolver mais profundamente no serviço.
A Bíblia
nos mostra alguns exemplos claros de inclusão e exclusão de pessoas
no serviço. Veremos dois destes exemplos. A Palavra nos direciona à
uma compreensão muito clara sobre a utilidade e a inutilidade de
pessoas no Reino. Todos são úteis. Todos apresentam uma função,
referente aos dons delegados pelo Espírito. Além disso, definir a
aptidão ou não para exercer um ministério ou trabalho na igreja
nos coloca na posição de juízes (se este julgamento for feito em
função apenas de achismos, e não pautado em argumentos sólidos).
Quando o debate extrapola a aptidão relacionada ao compromisso real
com Cristo, é perceptível que estamos julgando por motivos
secundários, não o requeridos do servo fiel.
Paulo, de
forma muito clara, exclui e divide seu projeto missionário por causa
de Marcos (At. 13:13; 15:36-41). Marcos se dispôs a servir, porém
desiste no meio do caminho de uma das viagens, e é convidado a se
retirar do próximo projeto de Paulo. Em um primeiro momento, é
perceptível a irritação do apóstolo, e sua total descrença de
que Marcos poderia ter alguma utilidade, tendo em vista seu
comportamento anterior. Marcos não era mais uma boa opção para
trabalhar, pois não era mais digno de confiança.
A vida
pregressa tem sido utilizada, muitas vezes, como fator impeditivo na
inserção de membros no serviço à Cristo na igreja. A multidão de
pecados encobertos pelo amor e misericórdia de Deus (I Pe 4:8) acaba ficando guardada por nós, e impedindo
que o serviço ocorra e que a vida siga.
Paulo,
mais à frente em sua caminhada, reintegra Marcos em sua missão, e o
considera “muito útil para o ministério” (II Tm 4:11). Sugiro
aqui que Paulo tenha mudado, e não Marcos. O seu abandono no passado
não foi apagado: ele continua sendo vívido na mente de Paulo.
Porém, Paulo certamente passa a ter uma nova compreensão da missão
de Marcos, e de sua importância, apesar do que passou. Ele entende
que Marcos não pode ser excluído, pois é um irmão em processo de
amadurecimento e santificação, e que precisa estar enxertado na
videira.
Davi
também demonstrava um certo “descaso” com a escolha dos que o
seguiam (I Sm 22:1, 2). Davi liderou, por um período, um grupo de
personas non gratas, que
jamais seriam aceitas para servir ao futuro rei, à época. Davi
reinsere esses homens ao serviço, e os dá utilidade e motivação
para olharem à frente. Esses
seriam seus futuros homens de confiança. Dignidade é dada a eles, e
não desconfiança e descrédito.
Dietrich
Bonhoeffer, em seu livro “Vida em Comunhão” nos leva a refletir
sobre a importância que se tem o serviço na vida da comunidade. Ele
afirma:
“Na comunhão cristã, tudo depende de que cada pessoa se
transforme num elo indispensável de uma corrente. A corrente será
inquebrável só quando o menor elo engrenar com firmeza também. Uma
comunidade que tolera a existência de membros que não são
aproveitados irá à ruína através deles. Será, pois, conveniente
que cada pessoa recebe uma tarefa determinada dentro da comunidade,
para que, em momentos de dúvida, saiba que também ela não é
inútil e inaproveitável. Toda comunhão cristã deve saber que não
apenas os fracos necessitam dos fortes, mas que também os fortes
necessitam dos fracos. A exclusão dos fracos é a morte da comunhão.
Não será a autojustificação e, por conseguinte, a violação que
governará a comunhão cristã, mas a justificação por graça e,
por conseguinte, o serviço. Quem, alguma vez, experimentou a
misericórdia de Deus, dali por diante só desejará servir.”
O cinismo
é um câncer na igreja, desde a sua origem. O cínico não se
preocupa com as almas, mas se preocupa com as regras. Ele não se
preocupa com o Reino, mas se preocupa com os projetos específicos
que levam o seu nome. Ele não se sente confortável com o fato de
alguns serem destacados antes dele. Ele não suporta que pessoas
cresçam, ou que sejam inseridas em posições que ele mesmo julga
que não mereçam. Ele está olhando o presente, e não o futuro. Ele
olha a propriedade, e não o Dono dela. O cínico considera que
conhece as motivações dos que são incluídos no Corpo, mas jamais
terá essa capacidade de análise.
Logo,
cada um pense pequeno a respeito de si mesmo (Rm
12:3), e não bloqueie o
caminho, para que todos sirvam. Se Deus não nos escolhe por nossos
méritos ou motivações, que não façamos o mesmo com nosso
próximo, rompendo com seus ensinamentos.
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